Por André Aram - João Geraldo Netto, Drew Persi e Diego Krausz são youtubers que falam abertamente sobre o HIV e, claro, sobre suas vidas pessoais. Dessa forma, resolvemos fazer oito perguntas para saber o ponto de vista de cada um deles, além de conhecer também cada trajetória.
João Geraldo Netto, 38 anos, vivendo com HIV desde os 19 anos, mora em Goiânia e atua como estrategista de marketing digital e é criador do canal Super Indetectável.
Drew Persí, 34 anos, vivendo com HIV há sete anos, mora em São Paulo, é ator, diretor, produtor artístico e youtuber do canal Drew.
Diego Krausz, 30 anos, diagnosticado há três anos e meio, vive em São Paulo, trabalha como ator. Criador do canal que leva o seu nome e que aborda a sua rotina.
Como foi a reação ao descobrir sobre sua sorologia?
João Geraldo Netto – Foi muito difícil. Pegar o diagnóstico de HIV foi como se eu tivesse recebido uma verdadeira sentença de morte, mesmo diante de tantos avanços tecnológicos já em 2008. O preconceito ainda é muito forte na nossa sociedade. Quando a gente se descobre com isso, todos os nossos preconceitos vêm à mente no momento. É muito difícil e se não tivermos uma boa estrutura e uma boa rede de apoio, podemos nos afundar em um estado emocional terrível e destrutivo.
Drew Persi – Aquele dia foi desesperador, achei que era o fim de tudo, mas minha profissão enquanto artista me salva, de muitas formas. Me permiti viver o luto, a dor, a aceitação, me cobri de informações positivas e aí escolhi viver!
Diego Krausz – De início foi bastante complexo, assim que soube da notícia eu corri para casa e fui pesquisar sobre o assunto, fiquei dois dias buscando entender o que era esse novo mundo que eu não tinha nenhum tipo de informação. Depois disso, me senti preparado para contar para a minha mãe, aos poucos fui contando para a minha família. Por último resolvi fazer o vídeo para o canal.
O que motivou a falar abertamente sobre o diagnóstico positivo para HIV?
João Geraldo Netto – Quando eu recebi o diagnóstico de HIV, no ano de 2008, as pessoas já buscavam na internet sobre o assunto. Porém, tudo o que encontrei foram relatos de pessoas em vídeos institucionais, governamentais ou de ONGs. Percebi que, inicialmente, o que eu procurava era uma pessoa real, ali do outro lado, falando sobre como seria viver com HIV. Alguém falando sem filtros, sabe? No seu próprio espaço. Encontrei pessoas falando em inglês e português de Portugal, mas senti falta do nosso português brasileiro e pensei, então, que outras pessoas podiam estar procurando o mesmo que eu. Foi, então, que comecei a falar sobre isso no meu canal pessoal. No início de 2017, então, resolvi desvincular o assunto HIV do meu canal pessoal e profissionalizar um pouco mais o conteúdo, pois já recebia muito feedback de seguidores que pediam isso.
Drew Persi – O canal foi criado em 2016, chamava-se ENTREATO, e eu abordava temas relacionados a minha profissão de ator. Em 2018 mudei o nome do canal para DREW e comecei a abordar temos mais sociais, machismo, homofobia, etc. Só ano passado, em 2019, foi que resolvi tornar público a minha sorologia. E tomei essa decisão justamente porque vi uma oportunidade de levar informação e acolher as pessoas que recebem ou vivem com esse diagnóstico.
Diego Krausz – Na verdade o meu canal não é somente sobre a minha sorologia, parte da minha militância está em justamente mostrar que uma pessoa HIV+ não se resume somente ao seu diagnóstico. Eu já tinha o meu canal há muitos anos quando resolvi voltar com meus vídeos para poder voltar a atuar. Nessa época resolvi fazer um formato de vlog onde eu poderia falar sobre o universo gay que eu vivo. Junto disso ocorreu o meu diagnóstico. Como eu já sabia que queria falar abertamente sobre minha vida na internet, resolvi falar também sobre a minha sorologia para levar mais informações sobre o tema.
Foi difícil expor algo tão pessoal?
João Geraldo Netto – Foi mais difícil com meu ex-companheiro, com quem vivia há muitos anos. Ele não queria que eu falasse sobre isso para todos. Ele tinha receio de ser exposto “perante a sociedade”. Eu não cedi tanto e resolvi continuar com meus planos. Eu nunca tive dificuldades para falar da minha vida pessoal, então, só mudei o foco. Também, percebi na terapia que falar me trazia boas respostas e, enquanto assistia meus próprios vídeos, tirava conclusões que não tinha percebido.
Drew Persi – Sim, foi muito difícil, tanto que foram três anos de canal até que eu dissesse.
Diego Krausz – No meu caso eu tive pouquíssimas reações negativas, toda a aceitação e acolhimento dos seguidores fizeram muita diferença, eu sempre soube que falar de algo tão pessoal e dito como tabu poderia gerar muito ódio gratuito na internet, mas eu me preparei para isso com bastante terapia (risos). Então, na hora de tornar tudo público eu já estava me sentindo confiante para levantar essa bandeira.
Como tem sido o feedback dos internautas?
João Geraldo Netto – Sempre foi maravilhoso! Aliás, o combustível que me move até hoje é o feedback de gente que eu nem conheço pessoalmente, mas que relata eu ter “salvado a vida”. Sei que é um pouco de exagero por parte deles, mas é muito legal ver que algo que faço dentro da minha casa e usando meu celular pode impactar positivamente tanta gente, mesmo do outro lado do Atlântico, como Angola, Moçambique e Portugal… Reconhecimento e apoio é o melhor pagamento que podemos receber, quando trabalhamos com HIV, até porque, dinheiro mesmo não rola. É um trabalho totalmente voluntário. Eu costumo dizer, inclusive, que se você pretende ganhar dinheiro com o YouTube, pense noutro assunto. Com HIV, não vai rolar.
Drew Persi – Muito positivo, recebo mensagens lindas que só me enchem de mais força e vida!
Diego Krausz – Foi o melhor possível. Muito carinho, muito respeito e admiração. Sempre tem uma parcela de pessoas que não concordam com a exposição ou que acham que eu estou “minimizando” o HIV, mas o meu objetivo é mostrar que o HIV, com o tratamento certinho não me impede de ter uma vida normal.
Já teve que lidar com haters também?
João Geraldo Netto – Muito! Houve uma época, até cerca de três anos atrás, onde os haters me atormentavam. Sempre escondidos atrás de perfis falsos, eles eram capazes de assistir inúmeros vídeos só para fazer comentários destrutivos. Visitavam as outras redes sociais e retomavam os ataques. Alguns eu respondia, outros não. Com o tempo, fui seguindo as dicas de não dar palanque para eles, porque era exatamente isso o que queriam. Comecei, então, a deletar e bloquear todos os discursos destrutivos nas minhas redes sociais. Não permito nenhum comentário que ataque a minha pessoa. É claro que ainda existem pessoas que discordam do que falo e fazem críticas dolorosas, mas enquanto ficam só nas críticas às ideias, tudo bem. Mas quando partem para ataques pessoais, excluo, bloqueio e, até mesmo denuncio os perfis.
Drew Persi – Algumas vezes, e no início, me incomodava. Mas depois eu entendi que o que falam é muito mais sobre eles do que sobre mim.
Diego – Poucas vezes. Geralmente eles não têm foto de perfil e não querem ouvir o que eu tenho para dizer, só querem atacar. Então, eu honestamente não dou atenção para eles.
O que mudou na sua vida pós-HIV?
João Geraldo Netto – Costumo dizer que minha vida ganhou contornos bem vivos após o diagnóstico. É complicado falar que minha vida melhorou muito depois de me descobrir com HIV, porque pode parecer apologia, mas foi exatamente isso o que aconteceu. Eu vivia um relacionamento abusivo quando tive o diagnóstico e foi a força de vida que veio junto com o resultado positivo que me deu forças para sair daquilo. Também conheci pessoas incríveis e deixei fluir o meu lado ativista que sempre foi tímido demais. Tive a oportunidade de unir a minha formação acadêmica e profissional com minha causa. Essa foi uma parte muito legal, porque consegui fazer trabalhos remunerados e me especializar cada vez mais na área da sexualidade e saúde sexual. Também percebi real que a vida pode acabar a qualquer momento. Tive a certeza da fragilidade da vida e isso me impulsionou para frente.
Drew Persi – Mudou a minha forma de olhar pra mim e para o outro, mudou a minha forma de me cuidar e cuidar do outro, me tornei uma pessoa muito mais empática. A única coisa que perdi após o diagnóstico foi o medo de viver!
Diego Krausz – Eu sempre digo que existe um Diego antes e depois do diagnóstico. Eu entendi que o meu corpo precisa da minha atenção (boa alimentação, bom sono, exercício físico e meu medicamento). Hoje em dia eu respeito o que eu quero, respeito as minhas vontades e quem eu sou. Eu não sou mais um cara que vai se desdobrar e perder a saúde por um trabalho ou por alguém, afinal se eu não cuidar de mim, ninguém vai. Também existe a consciência e responsabilidade dos discursos que eu levanto, isso tudo me fez amadurecer de uma maneira absurda.
Qual a sua opinião acerca da popularização da PrEP?
João Geraldo Netto – Acho a PrEP uma das estratégias mais fantásticas de prevenção do HIV. Seja porque ela tem uma eficácia altíssima, seja porque ela respeita os desejos e autonomia de quem faz. Foi através da PrEP que o Estado entendeu que o prazer deve ser considerado na prevenção do HIV. Até porque, já eram mais de 35 anos de estratégias de prevenção que não se apresentavam tão eficazes. O grande desafio da PrEP, na minha opinião, é garantir a adesão dos interessados. E quando eu falo adesão, eu digo no aspecto amplo, considerando o tomar o comprimido todos os dias, mas também ir às consultas, fazer os exames de controle, absorver as informações sobre a prevenção e fortalecer o autocuidado, adotando medidas seguras no sexo. E segura sem nenhum juízo de valor. É apropriar a pessoa com informações para que ela entenda o que é mais adequado para ela.
Drew Persi – A PrEP precisa ser muito mais falada e acessada. Pessoas que utilizam a PrEP estarão com seus exames sempre em dia, estarão sempre se testando, se protegendo e protegendo o outro. É um absurdo ser distribuída apenas para alguns grupos específicos, como se apenas esses grupos se colocassem em exposição. Enquanto isso as pessoas continuam se infectando.
Diego Krausz – Eu sei que existe uma polêmica sobre o PrEP, sobre isso de alguma maneira instigar o sexo desprotegido. Isso de fato acontece, mas não podemos tirar o mérito da importância desse recurso para a minha comunidade. Os avanços com PrEP são muito significativos e devem sim ser levados em conta. Nós temos uma cultura muito tóxica que quer deslegitimar tudo o que vem ou é feito para a comunidade LGBTQIA+.
Acredita que as campanhas sobre prevenção diminuíram nos meios de comunicação? nos últimos anos, principalmente durante o período de carnaval
João Geraldo Netto – Eu sempre fui um crítico das campanhas sazonais sobre HIV do Ministério da Saúde. Considerando nossa epidemia concentrada em populações muito específicas, como os gays, outros homens que fazem sexo com homens, mulheres trans e travestis, trabalhadoras do sexo e pessoas que usam drogas, vejo pouca eficiência em campanhas de massa. Exceto quando o objetivo for a quebra do preconceito, como as campanhas de 2010 e 2018. Acredito que os recursos para as campanhas governamentais deveriam se concentrar em locais onde essas populações mais vulneráveis estão: saunas, prostíbulos, “pista”, parques de pegação e outras zonas de sociabilidade. Hoje, o conservadorismo e o preconceito impede que campanhas específicas, com o discurso adequado e no lugar adequado aconteçam. Quer fazer campanha no carnaval? Façam naqueles blocos onde as bichas estão, façam naquelas regiões onde os bailes gays acontecem, onde as meninas trans estão. Apoiem ONGs que trabalham com essas populações, estejam presentes nas paradas gays, bares gays, saunas gays, cracolândias etc. Pra mim, isso é um bom uso do dinheiro público. Isso sim é investir em prevenção do HIV.
Drew Persi – A razão disso são as políticas públicas. Quanto menos investimento tivermos, menos campanhas teremos. Com a entrada desse (des)governo, onde vimos o departamento de AIDS ser extinto, onde vimos as redes sociais de informações sobre ISTs foram excluídas dos sites do governo, os investimentos são cada vez menores. Sem falar na não existência de Educação Sexual nas escolas e nas famílias!
Diego Krausz – Eu honestamente não sei o motivo. Existe um pensamento muito equivocado de que falar sobre educação sexual é falar somente sobre o ato sexual, quando na verdade estamos falando de: formas de proteção, conhecimento do próprio corpo, investigação do próprio prazer e liberdade sexual. Nós não temos que falar sobre prevenção somente no carnaval ou na parada LGBTQIA+, temos que falar sobre isso o ano todo. Na TV, na internet, nos livros. A informação tem que ser acessível para todos.
Fonte: GayBlog Scruff
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